Matéria deveras interessante na coluna do João Pereira Coutinho, da Folha de São Paulo; uma anedota curiosa da síndrome de opiniões superficiais que ajuda todo bom cidadão dormir com a consciência limpa. Pois sabemos que nem sempre, caro leitor, ter uma opinião genuína de um determinado assunto, faz sentirmo-nos bem.
Caros senhores terroristas
Começou a época das manifestações. Leio agora que, só em Londres, milhares de pacifistas saíram à rua para marchar contra a guerra no Oriente Médio. Nada a opôr. Marchar contra a guerra é simpático. Mais ainda: é cómodo. Você pode não saber nada sobre o conflito, nada sobre as razões do conflito, nada sobre as consequências do conflito. Mas é contra. Ser contra é a absolvição do pensamento: uma forma tranquila de colocar a flor na lapela do casaco e mostrar a sua vaidade moral ao mundo. Hitler invadiu a Polônia, exterminou milhões de judeus e procurou subjugar um continente inteiro? O pacifista é contra. Contra quê? Contra tudo: contra Hitler, contra Churchill, contra Roosevelt. Contra Aliados, contra nazistas. E quando os nazistas entram lá em casa e se preparam para matar o pacifista, ele dispara, em tom poético: "Não me mate! Você não vê que eu sou contra?" É provável que o nazista se assuste com a irracionalidade do pacifista e desapareça, correndo.
Capitão: "Eu não mandei você matar o inimigo?"
Soldado: "Sim, meu capitão. Mas ele era contra. Fiquei com medo."
O pior é que os pacifistas que saíram à rua não são contra tudo. Eles só são contra algumas coisas, o que torna o caso mais complexo e, do ponto de vista paranóico, muito mais interessante. Lemos as palavras de ordem e ficamos esclarecidos. "Não ataquem o Irã". "Liberdade para a Palestina". "Tirem as mãos do Líbano". Imagino que alguém deixou em casa as frases sacramentais. "Irã só quer paz". "Hizbollah é gente séria". "Israel é racista; não gosta de mísseis". Essa eu entendo. Israel retirou do Líbano em 2000. Retirou de Gaza em 2005. O Líbano e Gaza, depois da retirada, transformaram-se em parque de diversões para terroristas do Hizbollah e do Hamas (leia-se: do Irã e da Síria) que tinham por hábito sequestrar soldados israelenses e lançar rockets para o interior do estado judaico. Israel, inexplicavelmente, não gostava de apanhar com mísseis na cabeça, marca visível da sua intolerância. Os pacifistas de Londres deveriam denunciar essa intolerância: um Estado que retira dos territórios ocupados e, ainda por cima, não gosta de ser bombardeado, não merece o respeito da "comunidade internacional".
E a "comunidade internacional" não respeita. Desde o início das hostilidades, no sul do Líbano, regressaram acusações conhecidas de "desproporção" e "matança indiscriminada de civis". Apoiado: as acusações, não os ataques. Se Israel não gosta de ser bombardeado, deveria refrear seus ímpetos belicistas e escrever uma carta aos senhores terroristas. Para explicar o desconforto da situação. Exemplo:
"Caros senhores terroristas,
Boas tardes.
Nós sabemos o quanto vocês gostam de bombardear as nossas cidades, apesar de termos voluntariamente retirado dos vossos territórios. Longe de nós condenar a forma gentil como gostais de matar o tempo. Mas lançar rockets para o interior de Israel não mata só o tempo; também mata pessoas que estão nas ruas, nos mercados, nos cafés. Seria possível parar com esse desporto?
Nós, judeus, sabemos que o pedido é excessivo, na medida em que, segundo opiniões dos senhores terroristas, que nós compreendemos e até respeitamos, desde 1948, ano da fundação de Israel, que nós não temos qualquer direito à existência. Mas não seria possível chegar a um entendimento, apesar da palavra 'entendimento' ser ofensiva para a cultura dos senhores terroristas? Dito ainda de outra forma: não seria possível que o lançamento de rockets ocorresse apenas em dias salteados? Por exemplo: às segundas, quartas e sextas? Os sequestros seriam apenas às terças e quintas, de preferência mais ao final da tarde, depois da saída do trabalho, para deixar o jantar já pronto.
O pedido pode parecer excessivo mas gostaríamos de lembrar aos senhores terroristas --e, por favor, não vejam nas nossas palavras qualquer crítica-- que nós tivemos essa gentileza: avisar as populações civis de que o sul do Líbano seria atacado, pedindo-lhes que se retirassem. Estamos conscientes, e por isso nos penitenciamos, que esse aviso às populações civis acaba por retirar valioso material humano que os senhores terroristas gostam de usar como escudo para exibir na televisão. Mas não seria possível substituir seres humanos por sacos de areia, mais fáceis de usar e controlar?
Uma vez mais, queiram-nos perdoar a ousadia da sugestão. Estamos certos de que a racionalidade das nossas propostas será recebida com a irracionalidade dos vossos propósitos."
Depois, era só enviar a carta e, estou certo, esperar pela resposta. Que viria, como vem sempre, voando pelos ares.
João Pereira Coutinho, 30, é colunista da Folha de S.Paulo. Reuniu seus artigos no livro "Vida Independente: 1998-2003", editado em Portugal, onde vive. Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.